A demência é uma condição individual e única. Cada pessoa apresenta demência de determinada maneira e com diferente intensidade. Mas, há várias experiências que são comuns a todos. A importância de manter o cérebro estimulado, o desafio de identificar os comportamentos desviantes, assim como a preocupação de manter-se produtivo com o passar dos anos são questões que prejudicam todos de alguma maneira.
A seguir, a neurologista Dra. Luísa Alves, expõe em detalhes esses temas, tão importantes na vida de pacientes e de familiares. A Dra. Luísa Alves é assistente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora no Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (CEDOC).
TH: Quais são os primeiros sinais de alerta para a demência?
Dra. Luísa Alves: O intervalo entre os primeiros sintomas e a primeira consulta médica por queixas cognitivas varia entre 8 meses e 4 anos. A realização, por parte de familiares ou amigos, de que os comportamentos eram desviantes, acontece muitas vezes só retrospectivamente.
Os primeiros sinais de alerta:
– Esquecer-se do que lhe foi dito ou do que aconteceu recentemente
– Esquecer-se de pagar as contas
– Esquecer-se do que leu na noite anterior
– Esquecer-se da trama de um filme que viu recentemente
– Esquecer-se de palavras-passe
– Acusar familiares ou amigos de tê-lo roubado ou de ter alterado o sítio onde habitualmente um objeto é guardado
– Perder a capacidade de desempenhar tarefas que habitualmente levava a cabo com facilidade
– Perder o significado de palavras
– Incapacidade de encontrar a palavra certa
– Dificuldade para utilizar o telemóvel, o computador, os eletrodomésticos
– Dificuldade para utilizar os cartões bancários
– Dificuldade para reconhecer os objetos familiares
TH: Há meios de retardar a perda da cognição?
Dra. Luísa Alves: O tratamento da hipertensão em pessoas com idade superior aos 45 anos sem demência pode reduzir a incidência da demência.
O controlo da hipertensão associado às intervenções listadas a seguir tem o potencial de retardar ou prevenir um terço de todos os casos de demência.
Intervenções:
– Aumento da escolaridade na infância
– Exercício físico
– Manutenção de interação social
– Evicção/cessação do tabagismo
– Tratamento de
. perda auditiva . depressão . diabetes . obesidade
TH: Como é que a vida de uma pessoa com perda cognitiva pode ser produtiva?
Dra. Luísa Alves: Geralmente, a memória de acontecimentos e de material adquirido precocemente no decurso da vida encontra-se preservada até as fases avançadas da demência. Desse modo, o indivíduo com perda cognitiva pode fazer a diferença ao partilhar com os outros, nomeadamente com os mais jovens, conhecimentos como receitas, história do seu percurso pessoal ao longo de um período importante na História. Pode também fazer companhia, contar histórias, cantar canções a crianças. Há também pessoas que, ao manterem a capacidade visual e a habilidade manual, podem continuar a fazer croché, ponto-cruz ou costurar. Com supervisão, podem por exemplo, cozinhar e doar o alimento a programas como o “refood”.
TH: Costuma-se dizer que aprender um novo idioma ou um instrumento musical é útil para a saúde do cérebro. Até que momento essas medidas têm efeito?
Dra. Luísa Alves: Um estudo demonstrou que indivíduos bilingues desenvolveram, em média, demência 4,5 anos mais tarde do que os monolingues. Essas descobertas ocorreram na doença de Alzheimer, mas também na demência fronto-temporal e na demência vascular. Por outro lado, aplicam-se a pessoas sem educação formal (i.e. analfabetos). Não se registou benefício adicional com o domínio de mais de duas línguas. O “efeito bilingue” no início de demência mostrou-se independente de outros fatores potencialmente contundentes, tais como escolaridade, género, profissão e tipologia de localidade de domicílio (urbana Vs rural).
Outro estudo demonstrou um efeito positivo do bilinguismo no desempenho cognitivo em idades mais avançadas, inclusive em pessoas que aprenderam a segunda língua na idade adulta (o estudo dividiu a idade de aprendizagem em precoce – antes dos 18 anos – e tardia – depois dos 18 anos).
Uma investigação demonstrou que, anulados os efeitos de género, escolaridade e atividade física, tocar um instrumento musical foi associado significativamente à menor probabilidade de demência e de declínio cognitivo.
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Atualizado em 26/03/2020.